A seguridade social nasceu no mundo da necessidade de amparo social aos seus membros diante da desigualdade que o momento histórico já presenciava que perdura até os dias atuais e, por não ser o homem mais totalmente possuidor da capacidade de fornecer subsídios necessários para a sobrevivência de si e de sua família diante do cenário complexo de revoluções e guerras vividas.
Muito foi feito para se chegar até a situação da previdência e assistência social que é vivida nos dias atuais e, muito ainda, tem-se que percorrer para que a seguridade social seja efetivamente abrangente e eficaz em sua prática, para isso, se faz necessária à análise da evolução histórica social, que segundo Marisa Ferreira dos Santos pode se dividir em três momentos.
2.1.1.1 Assistência pública
Nos primórdios da formação social do Estado, a Igreja tinha caráter fundamental para sua constituição e continuidade, não havendo separação entre ela e o Estado, o que se sucedeu como criadora das primeiras formas de proteção social contra os menos favorecidos, através da Caridade, como ressalta Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari.
Somente em 1601, houve a primeira lei reconhecendo a função do Estado em amparar os menos afortunados, tal lei conhecida como Act of Relief of the Poor, Lei dos Pobres promulgada por Elizabeth I na Inglaterra e como fala Marisa Ferreira dos Santos, “definiu a responsabilidade da igreja em arrecadar fundos em uma taxa obrigatória para tal finalidade.”3
Segundo Marisa Ferreira dos Santos após tal lei houve a necessidade de seus particulares em algumas categorias arrecadarem por si só contribuição privada de auxílio para o caso de doença ou morte, porém, com a Revolução Francesa e as humilhações sofridas pelos trabalhadores, tais mecanismos de proteção social não se tornaram eficientes, dando início à nova fase de proteção social4 e revolucionando assim, os conceitos históricos da previdência.
2.1.1.2 Seguro social
Por ditas necessidades, houve a criação em grande quantidade de empresas de responsáveis por administrar seguros com finalidade extremamente lucrativa para trabalhadores, que no decorrer de sua vida, se tornassem dependentes de uma verba por não ter condições de prover o seu sustento, porém, requisito básico para ter-se direito ao benefício seria a sua contribuição, ou de terceiro em seu nome mensalmente.
Diante disso, foram criados diversos benefícios em forma de seguro, garantindo a vida, saúde, aposentadoria, acidentes e demais benefícios que só seriam concedidos à população que obtivesse condições de arcar com os custos de manter o pagamento de tais benefícios. Com o tempo se tornou uma grande segregação entre a população, pois com a falta de legislação trabalhista e a caracterização do trabalho da época ser análogo ao trabalho escravo grande parte da população não possuía recursos necessários para pensar no futuro. Dessa forma, a minoria se tornou beneficiária de um projeto de previdência privada por contrato e as massas trabalhadoras continuaram a serem negligenciadas. Marisa Ferreira dos Santos explica também que “o assistencialismo quanto às massas só evoluiu em 1883 na Prússia com a Lei do Seguro a Doença que criou o seguro de enfermidade e gerou o primeiro plano de previdência social no mundo”.5 Tal criação desencadeou grande desenvolvimento, conforme conceituam Carlos Alberto Pereira e João Batista Lazzari:
“Os Estados da Europa, precursores da ideia de proteção estatal ao indivíduo vítima de infortúnios, estabeleceram, de maneira gradativa, da segunda metade do século XIX até o início do século XX, um sistema jurídico que garantiria aos trabalhadores normas de proteção em relação aos seus empregadores nas suas relações contratuais, e um seguro – mediante contribuição destes – que consistia no direito a uma renda em caso de perda da capacidade de trabalho, por velhice, doença ou invalidez, ou a pensão por morte, devida aos dependentes. Assim se define uma nova política social, não mais meramente assistencialista – está lançada a pedra fundamental da Previdência Social.
A partir da proposta de Bismark, ministro da Prússia, durante a promulgação da lei mencionada, revolucionou a até então inexistente previdência social que passou a ser observada como uma necessidade social ao todo e não só aos mais ricos e bem nascidos. Segundo Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari o modelo gerou obrigatoriedade e segurança do direito garantido ao trabalhador, com a obrigação do Estado fornecer o amparo com renda para a prestação do benefício a ser gerida pelo empregado, seu empregador e o próprio Estado, propagando-se pelo mundo a fora e gerando mudanças por onde quer que fosse a ideia do amparo social.7
Porém, a Primeira Guerra Mundial veio a por freios ao sistema de benefícios da época, com a quantidade de prejudicados pela mesma e o grande gasto bélico com a guerra a economia sucumbiu aos prejuízos, ressurgindo apenas com o Tratado de Versalhes, em 1919 onde fora posto em pauta a necessidade de seguridade social e na qual se firmou um compromisso social e universal com objetivo de desenvolver a previdência social através de conferências e tratados que formularam diversos benefícios sociais a diversas classes de trabalhadores, órfãos, viúvas, inválidos e desempregados como fala Marisa Ferreira dos Santos8, refletindo como os primeiros passos para chegar a uma organização de um sistema previdenciário.
2.1.1.3 Seguridade Social
Com drásticas consequências que se apresentavam durante a Segunda Guerra Mundial, houve a necessidade de amparo à população afetada de diversas formas, dentre elas a necessidade de se criar um sistema protetivo sobre a seguridade social e resguardar a população castigada.
Daí decorreu uma série de mudanças dentro das principais potências da época, na Alemanha, Hitler apresentou um programa de pensões por velhice e invalidez para toda a população alemã, que só não foi instaurado pela queda do socialismo nacional.
Na Inglaterra, foi criada a Comissão Interministerial para o estudo dos planos de seguro social e serviços afins, que apresentou em 1942 o Plano Beveridge com uma aprofundada análise sobre a necessidade quanto à cobertura do seguro social vigente. Mas o mesmo era ineficaz à população que não possuía vínculo empregatício, ressaltando a função do seguro social em combater a miséria dos menos afortunados e o papel mantenedor do Estado.
Com o fim da Segunda Guerra Mundial em pauta, diversas estratégias foram celebradas entre potências mundiais onde se discutiu o desenvolvimento da seguridade social. Marisa Ferreira dos Santos cita “Conferência da OIT (Organização Internacional do Trabalho) que gerou a Declaração da Filadélfia em 1944, a
Declaração Universal dos Direitos do Homem em 1948, a 35ª Conferência Internacional do Trabalho da OIT e, em 1952, a Convenção n. 102, à qual denominou ‘Norma Mínima em Matéria de Seguridade Social’ e se tornou um marco na história da seguridade social mundial.”9
Marisa Ferreira dos Santos nos traz novamente um norte quanto à organização e às determinações que trouxeram extrema relevância na Convenção n° 102, que segue:
“A Convenção n. 102 é o resultado de estudos de especialistas da OIT, que, de início, tiveram a incumbência de elaborar um convênio que tivesse duas secções: uma que estabelecesse uma norma mínima, um standard de seguridade social; e outra, uma norma superior, que desse proteção a todas as necessidades. O objetivo do estabelecimento desses dois tipos de normas era viabilizar a participação de um grande número de Estados, que ficariam comprometidos em implantar os padrões mínimos de seguridade social, sem, contudo, descuidarem-se de seguir o exemplo de países mais avançados no implemento de modernas técnicas de proteção social. Entretanto, a norma superior foi separada e sua aprovação ficou sem definição de prazo, restando aprovada a norma mínima pela Convenção n. 102.”
Com o estabelecimento de tais medidas e o fim da guerra, muitos países não possuíam recursos para a implantação total, porém, se comprometeram que aos poucos efetivassem toda a seguridade social dentro de seu território. Assim, tornando beneficiária uma cartela ampla de cidadãos e com risco assumido pelo Estado em fornecer segurança social à parte não contribuinte, dentro de requisitos elencados em lei. Estes acontecimentos corroboraram com o entendimento de Marisa Ferreira dos Santos de que “a seguridade social não está fincada nos riscos e sim na necessidade social pela ausência de natureza indenizatória dos mesmos e sim a garantias fundamentais para o mínimo existencial” 11 deixando demonstrado o intuito essencial no que diz respeito a formulação da seguridade social, como forma de oportunizar segurança através da administração pública.
A seguridade social no Brasil se desenvolveu de forma mais árdua e com passos lentos em comparação com o resto do mundo, devido à desigualdade social já latente desde os primórdios históricos de sua colonização e, com a consequente introdução do Brasil de forma tardia como país separado de Portugal e as dificuldades que perpassaram essa evolução.
A primeira citação a um projeto de previdência social no Brasil veio com a Constituição de 1824, que trouxe a devida menção na forma de socorro público, conforme o artigo 179, XXXI que segue:
“Artigo 179. A inviolabilidade dos Direitos Civis, e Politicos dos Cidadãos Brazileiros, que tem por base a liberdade, a segurança individual, e a propriedade, é garantida pela Constituição do Imperio, pela maneira seguinte. XXXI. A Constituição tambem garante os soccorros publicos.”
Posteriormente, nova previsão no Código Comercial de 1850 em seu art. 79 trouxe ao trabalhador acidentado, “garantia a manutenção do salário para o caso de acidente de trabalho desde que o impedimento não ultrapasse três meses contínuos” 13. Porém, “sua previsão não contribuiu para a devida e prática de amparo social aos menos favorecidos de fato pelo Estado, mesmo já existindo no Brasil a primeira entidade de previdência privada, conhecida, conforme Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari como MONGERAL – Montepio Geral da Economia dos Servidores do Estado”14. Nesse contexto ainda, foram se desenvolvendo decretos instituindo a aposentadoria de determinados cargos exercidos pela sociedade ampliando, de forma mínima, os benefícios oferecidos à população.
Com a nova Constituição de 1891, em seu artigo 75, houve a concessão do benefício de aposentadoria por invalidez15, porém, o mesmo só se estendia aos servidores públicos. No ano seguinte, com a Lei 217 de 1892, houve a ampliação do benefício aos operários do Arsenal de Marinha do Rio de Janeiro, estando ainda, todo o resto da população desabrigada quanto ao benefício.
Somente em 1919, houve o marco para o amparo para o trabalhador geral no que diz respeito a acidentes de trabalho, conforme Carlos Alberto Pereira de Castro e João Batista Lazzari:
“A primeira lei sobre proteção do trabalhador contra acidentes do trabalho surgi em 1919 (o Decreto n. 3.724); antes, o trabalhador acidentado tinha apenas como norma a lhe proteger o art. 159 do antigo Código Civil, vigente a partir de 1917, e antes disso, as normas das Ordenações Filipinas.”
Em 1923, foi promulgado um marco para a Previdência Social no Brasil, conhecida como Lei Eloy Chaves. Baseada nas evoluções alemãs de 1833, o Decreto Legislativo n. 4.682 apresentou uma série de benefícios mediante contribuição dos trabalhadores, empresas e do Estado a uma caixa. Porém, desde o princípio foi insuficiente para abranger toda a classe e, com o passar do tempo, foi se ramificando para demais caixas de diversos ramos. Posteriormente, em 1926, ocorreu a criação do Instituto da Previdência dos Funcionários Públicos da União e a criação do Ministério do Trabalho, Indústria e Comércio, tendo como uma das atribuições orientar e supervisionar a Previdência Social.
Após o marco inicial para a previdência, houve desenvolvimento de institutos de classe de acordo com as profissões e seus segmentos da época, sendo, a Constituição seguinte, em 1934 e, posteriormente a de 1937, somente para regulamentar no texto constitucional os avanços já conseguidos e apresentar no sistema jurídico brasileiro a primeira utilização do segmento como seguro social.
Mesmo com projetos em lei, decretos e esforços para uma regulamentação e aplicação de um sistema social durante os anos, a criação do Ministério do Trabalho e Previdência Social e Lei Orgânica da Previdência Social em 1960 foi novamente uma medida insuficiente para o desenvolvimento previdenciário vigente, pois não amparava a população como um todo. Somente com Decreto-lei n. 72, em 21 de novembro de 1966 foi posto em prática o famoso INPS – Instituto Nacional de Previdência Social para pôr fim às dificuldades encontradas na época.
Com os efeitos da Constituição de 1967, a previdência social passou por uma reforma organizacional, onde os benefícios assistencialistas se tornaram responsabilidade de diversas autarquias de acordo com cada segmento de benefício.
A Constituição de 1988, que perdura até os dias atuais, conhecida popularmente como constituição cidadã, trouxe em seu corpo a essência da seguridade social a ser implantada no assistencialismo público, como fala Marisa Ferreira dos Santos:
“Trata-se de normas de proteção social, destinadas a prover o necessário para a sobrevivência com dignidade, que se concretizam quando o indivíduo, acometido de doença, invalidez, desemprego, ou outra causa, não tem condições de prover seu sustento ou de sua família.”
E conforme Hugo Goes, ligou a previdência social ao SUS – Sistema Único de Saúde, porém, excluindo servidores com regime previdenciário próprio e criando um sistema de assistencialismo dividido em três áreas específicas saúde, assistência social e previdência social que possuem características individuais.
Posteriormente à promulgação da Constituição, houve a criação do conhecido INSS – Instituto Nacional de Seguro Social em 1990, que veio para substituir os Institutos responsáveis pelas arrecadações, pagamentos e prestações dos benefícios previdenciários e com sua criação, os assistenciais. Mesmo após a pressão nos anos seguintes para a sua privatização e reforma, este continuou a exercer seu papel sofrendo grandes mudanças três anos após, como a criação da LOAS, Lei Orgânica da Assistência Social em 1993 Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari ressaltam que “a criação da mesma modificou critérios e benefícios até então vigentes na época e, posteriormente com a Emenda n° 20 em 1998, que remodelou o sistema previdenciário diante de um cenário de crise econômica.”20 Continuamente o sistema passou por nova modificação, quando as emendas no decorrer dos anos que se seguiram alterando diversos temas junto à previdência social, porém a mais atual a que tratamos e, detentora de grande divergência entre juristas e população é a Emenda Constitucional n° 103 publicada no ano de 2019 “que alterou grande parte dos Regimes Geral e Próprio da Previdência Social”21 como narram Carlos Alberto Pereira de Castro, João Batista Lazzari, revolucionando a organização da previdência e modificando grande parte de seu sistema.
Mesmo com toda evolução ocorrida no Brasil no âmbito da previdência social, muito ainda há de se desenvolver e ser discutido para uma constante evolução da seguridade social, partindo desse ponto de vista, o Direito Previdenciário no Brasil possui vertentes e princípios específicos, voltados para o exercício das garantias constitucionais e fundamentais que regem todos os aspectos da previdência no Brasil, desde o sistema na administração pública, até a previdência no âmbito do poder judiciário a fim de exercer, segundo Marisa dos Santos Ferreira “o objetivo constitucional da Assistência Social que é ser instrumento de transformação social, e não meramente de cunho assistencialista” deixando claro a necessidade que a mesma tem, sendo assim, inegociável a relativização de seu objetivo para suprir fins que não os justificam.
BIBLIOGRAFIA
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CASTRO, Carlos Alberto Pereira de, LAZZARI, João Batista. Manual de Direito Previdenciário – 23. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2020.
___________. Manual de Direito Previdenciário – 24. ed. – Rio de Janeiro: Forense, 2021.
GOES, Hugo. Manual de direito previdenciário. 16° ed. São Paulo. Editora Método, 2020. SANTOS, Marisa Ferreira dos. Direito previdenciário esquematizado. In: LENZA, Pedro. (Org.) 10ª. ed. São Paulo: Saraiva Educação, 2020.
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