OAB São Pedro da Aldeia

Nos últimos meses um grande barulho se deu no meio jurídico e nas relações de trabalho por causa da Ação de Direta de Inconstitucionalidade 1.625. Tal ação foi ajuizada pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Agricultura-Contag, em 1997 e questiona um decreto, do então presidente Fernando Henrique Cardoso, que suspendeu a adesão do Brasil à Convenção 158 da Organização Internacional de Trabalho-OIT, cujo conteúdo refere-se aos limites das demissões sem justa causa.

Antes de adentrar no tema, é preciso lembrar que, apesar de ter algumas características de direito público, o Direito do Trabalho brasileiro tem natureza de direito privado, ou seja, as partes entre si pactuam as condições permitidas dentro de um contrato. Mesmo que existam princípios e normas que indisponibilizam negociações de algumas garantias, por termos numa ponta do contrato uma parte hipossuficiente, logo se faz necessário tais ajustes para diminuir essas diferenças. Citamos sobre alguns exemplos destes direitos/deveres os descansos intrajornada, interjornada, férias entre outras normas que visam principalmente a segurança da saúde e da vida do trabalhador. Mesmo com essas proteções, a Consolidação das Leis do Trabalho-CLT mostra que o poder potestativo de admitir e demitir é do empregador, fazendo com que ele que vai administrar de forma melhor os seus empregados. Claro, sempre dentro dos princípios e normas legais.

Retornando a questão da ADI 1.625, o Brasil sendo um membro da OIT, no ano de 1996 teve um decreto assinado em que suspendeu a adesão do Brasil à Convenção 158, e nesta trazia algumas circunstâncias sobre a possibilidade ou não de extinção do trabalho. Assim podemos ver no artigo 4º de tal Convenção:

“Não se dará término à relação de trabalho de um trabalhador a menos que exista para isso uma causa justificada relacionada com sua capacidade ou seu comportamento ou baseada nas necessidades de funcionamento da empresa, estabelecimento ou serviço.” ilo.org/

Ainda na convenção, nos seus artigos 5º e 6º, ela lista ainda mais sobre a impossibilidade da dispensa sem justa causa.

Art. 5 — Entre os motivos que não constituirão causa justificada para o término da relação de trabalho constam os seguintes:
a) a filiação a um sindicato ou a participação em atividades sindicais fora das horas de trabalho ou, com o consentimento do empregador, durante as horas de trabalho;

b) ser candidato a representante dos trabalhadores ou atuar ou ter atuado nessa qualidade;
c) apresentar uma queixa ou participar de um procedimento estabelecido contra um empregador por supostas violações de leis ou regulamentos, ou recorrer perante as autoridades administrativas competentes;
d) a raça, a cor, o sexo, o estado civil, as responsabilidades familiares, a gravidez, a religião, as opiniões políticas, ascendência nacional ou a origem social;
e) a ausência do trabalho durante a licença-maternidade.

Art. 6 — 1. A ausência temporal do trabalho por motivo de doença ou lesão não deverá constituir causa justificada de término da relação de trabalho.

Tal decreto naquele tempo já havia sido levado a um pedido de ação direta de inconstitucionalidade porque seus defensores colocaram a tese que não poderia suspender tal convenção com um simples decreto do Presidente da República. O STF sinalizou o retornou desta matéria para encerrar as votações do plenário, depois do processo perdurar por mais de 25 anos.

Diferente de 1996, hoje a internet, é a fonte de informação da maioria da população e, em tempo de polarização política, logo que se noticiou que o STF iria julgar algo relacionado a proibição de demissão “sem justa causa”. Muitas mensagens através de fake-news ou por até mesmo por falta de conhecimento do assunto, começaram a se espalhar que no Brasil o empregado não mais poderia ser demitido. Chegaram até ser pauta de discursões de convenções coletivas sobre tal tese a ser julgada pensando que a extinção do trabalho sem justa causa seria modificada. O que não procuram saber é que, este julgado nada será decidido sobre se pode ou não ser demitido sem justa causa, como dito anteriormente. Neste momento a discussão será se pode ou não suspender uma convenção internacional por simples decreto presidencial.

Totalmente diferente do que várias pessoas estão informando, e de forma errada, o STF não vai analisar e nem julgar se pode ou não demitir sem justa causa. Na verdade, o Supremo vai analisar e decidir é se o Presidente da República pode anular, sem a aquiescência do Congresso Nacional, a adesão ou não do Brasil a uma convenção internacional. Pelo menos será isso neste primeiro momento.

O professor de Direito do Trabalho-FMU, Ricardo Calcini, expõe que há um certo exagero de interpretação. E só reforça sobre o que realmente está sendo julgado: “O principal ponto discutido hoje, muito embora já há 25 anos, é a questão da denúncia do decreto presidencial. Ou seja, se é ilegal ou não esse tipo de ato praticado exclusivamente pelo presidente.”

Além de tudo a Convenção da OIT só coloca alguns mecanismos para poder justificar, coisa que a própria CLT já existe nas dispensas coletivas, por exemplo. Assim Carlos Eduardo Ambiel, doutor pela USP, expõe sobre a convenção:

“Ademais, o texto da Convenção 158 da OIT sempre se reporta à necessidade de suas disposições estarem em conformidade e de serem implementadas através da legislação local. No caso do Brasil, já há previsão para quase tudo o que está na Convenção 158, como seguro-desemprego, indenização pela dispensa, aviso prévio e direito a questionar a dispensa motivada em tribunal”,

Para Ambiel, nem se a convenção fosse aprovada teria tanta influência no ordenamento laboral brasileiro, uma vez que é a que preceitua o direito à defesa prévia do empregado dispensado por sua “conduta ou desempenho”.  Assim fala ratifica o professor Ambiel:

“Não parece que teremos qualquer mudança significativa daquilo que já existe atualmente, vez que nossa legislação já é extremamente protecionista e, em algumas disposições, até supera as sugestões da Convenção 158 da OIT”. 

Conclusão, apesar de todo barulho, a ADI não é para analisar sobre a demissão sem justa causa. A Suprema Corte está analisando e votando a competência ou não de um presidente da república poder revogar, por decreto, sem passar pelo Congresso Nacional, uma adesão do Brasil a uma convenção internacional. Como alguns ministros, atuais e outros aposentados, já se manifestaram em suas decisões. Vejamos como se encontra o processo hoje:

Último andamento: Ministro Gilmar Mendes pediu vista em novembro de 2022.

Quem votou contra a autonomia do decreto do FHC? Joaquim Barbosa (aposentado), Rosa Weber e Ricardo Lewandowski votaram no entendimento em que o presidente da República não pode revogar o decreto sem a aprovação do Congresso.

Maurício Corrêa e Ayres Britto, vão na ideia do decreto ainda está valendo, contudo, este deva passar pelo Congresso para ter efeito concretizado.

Dias Toffoli, Nelson Jobim (também aposentado) e Teori Zavascki (falecido em 2017), o decreto tem validade e, no entanto, sustentaram que será preciso que o Congresso aprove decretos semelhantes em todos os outros casos futuros, a contar da definição do tema levado ao Supremo. 

Ficaram restando os votos dos ministros Gilmar Mendes, Nunes Marques e André Mendonça. 

Por fim, em uma análise simples, ficamos com a convicção de que se não for através de alteração da própria CLT, não será este julgado que mudará sobre a extinção do contrato de trabalho sem justa causa.