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O entrelaçamento afetivo no noivado é tão intenso que o casal não conversa sobre como será a gestão patrimonial após o casamento. Isso porque existe uma barreira cultural que enxerga a temática dos regimes de bens como motivo de desconfiança e até mesmo um prenúncio de desentendimentos.

No entanto, é necessário superar esse tabu, pois o matrimônio impõe inúmeros desafios e esse é apenas o primeiro deles. Os pontos sensíveis e inegociáveis para cada parte devem ser discutidos e alinhados antes do casamento para evitar frustrações e possibilitar a construção de uma relação sólida.

A verdade é que toda união conjugal chegará ao fim, seja pelo divórcio ou pelo falecimento de uma das partes. Por essa razão, é necessário falar sobre planejamento patrimonial antes do casamento.

I – O QUE É O PLANEJAMENTO PATRIMONIAL NO CASAMENTO?

O planejamento patrimonial possui um caráter protetivo e preventivo, funcionando como uma convenção feita entre os noivos para definir as regras de administração patrimonial durante o casamento. Também serão definidas as regras acerca da disposição do patrimônio no caso de eventual divórcio e os efeitos sucessórios.

A grande vantagem de realizar o planejamento patrimonial é que os noivos podem escolher o regime de bens que será aplicado no casamento, fomentando a autonomia privada das partes.

Entretanto, quando os noivos optarem por um regime de bens diverso do regime legal comunhão parcial de bens e não for caso de aplicação da separação obrigatória, essa escolha deverá ser feita por meio do pacto antenupcial.

II – O PACTO ANTENUPCIAL

O pacto antenupcial é um contrato firmado entre os noivos antes do casamento. Via de regra, o pacto é facultativo, porém se o casal não desejar que a união seja regida pela comunhão parcial de bens, será obrigatória a realização do pacto pré-nupcial.

A lei não estipula prazo entre a celebração do pacto e do matrimônio, de modo que pode ser firmado ou modificado até mesmo no dia da cerimônia, desde que ocorra antes da celebração do casamento.

Normalmente, o pacto é realizado durante a habilitação para o casamento e somente produzirá efeitos após a realização do matrimônio, de maneira que se o enlace não ocorrer a convenção antenupcial será considerada ineficaz.

Apesar de a delimitação das regras patrimoniais ser o principal objetivo da celebração do pacto antenupcial, o acordo também poderá versar sobre questões existenciais.

Uma temática em destaque atualmente é a limitação da exposição da vida conjugal e familiar nas redes sociais, o que poderá evitar futuras discussões especialmente se um dos cônjuges trabalhar com mídias digitais.

Vale salientar que a procura pela realização dos acordos pré-nupciais ainda é pouco expressiva. Nesse sentido, o professor Luciano Figueiredo indica que além da barreira cultural, um grande impasse é gerado pelo desconhecimento acerca dos regimes de bens existentes no ordenamento jurídico brasileiro.

Para tanto, a temática será descrita pormenorizadamente no tópico a seguir.

III – OS REGIMES DE BENS

O regime de bens regula a propriedade e a administração dos bens que os noivos já possuem, assim como o patrimônio que será adquirido por eles na constância do casamento.

A – COMUNHÃO PARCIAL DE BENS

O regime da comunhão parcial de bens é denominado como legal supletivo, o que significa que se os noivos não escolheram outro regime de bens, ou se por alguma razão a convenção for nula ou ineficaz, o casamento será regido pela comunhão parcial de bens.

No regime da comunhão parcial se comunicam os bens que foram adquiridos na constância do casamento. Desse modo, não se comunicam os bens que cada um dos cônjuges já possuía, aqueles recebidos por sucessão ou doação, assim como os bens sub-rogados nesse lugar.

De acordo com as palavras do professor Conrado Paulino da Rosa “existe uma divisão do patrimônio em três blocos: os bens do marido, os bens da esposa e os bens comuns que são os adquiridos na constância do casamento”

Já no caso de falecimento de um dos cônjuges é preciso esclarecer que nem sempre haverá direito à herança. Isso porque os bens comuns geram apenas o direito de meação, ou seja, metade daquele bem já é da outra parte e por essa razão não há herança.

Assim, somente os bens particulares do cônjuge que faleceu poderão ser herdados pelo cônjuge sobrevivente.

B – SEPARAÇÃO LEGAL DE BENS

A lei impõe o regime da separação legal ou obrigatória de bens para os casos em que o matrimônio foi celebrado mesmo com uma causa suspensiva do casamento, que são as questões em que o Estado não recomenda o enlace matrimonial.

Por exemplo, o noivo é divorciado e não efetuou a partilha dos bens do primeiro casamento. Assim, o novo matrimônio deverá ser obrigatoriamente regido pela separação legal de bens.

Os maiores de setenta anos também não podem escolher o regime de bens que vão se casar, o que é questionado por grande parte da doutrina contemporânea.

A separação legal também ocorre quando os noivos precisam de suprimento judicial para casar, como no caso do adolescente maior de 16 anos que um dos genitores ou ambos não autorizou o matrimônio, de forma que foi necessária a propositura de uma ação judicial para viabilizar o casamento.

Em regra esse regime não admite a meação, nem mesmo a herança. Entretanto, vale destacar que o STF pacificou o entendimento que os bens poderão se comunicar quando adquiridos onerosamente na constância do casamento, desde que comprovado o esforço de ambos na aquisição desse patrimônio.

C – COMUNHÃO UNIVERSAL DE BENS

No regime da comunhão universal de bens há uma fusão entre o patrimônio dos cônjuges, de modo que após o matrimônio só existem os “nossos bens”, formados por um único bloco patrimonial.

Dessa maneira, como todos os bens são comuns ao casal, a regra é que não há herança, apenas meação. Contudo, existem alguns bens que não se comunicam, especialmente os que foram doados ou herdados com cláusula de incomunicabilidade e os sub-rogados nesse lugar.

Também não se comunicam as dívidas anteriores ao casamento, salvo se provierem das despesas com o matrimônio ou se reverteram em proveito comum para o casal.

É importante mencionar que esse regime permite uma possibilidade interessante de utilizar o planejamento patrimonial. Na hipótese em que um dos noivos poderá doar algum bem para a outra parte com uma cláusula de incomunicabilidade, que será um bem particular e não integrará a massa patrimonial do casal.

D – SEPARAÇÃO CONVENCIONAL DE BENS

A separação convencional ou total de bens, estabelece que não há comunicação patrimonial entre os cônjuges. Isso significa que diante eventual rompimento do vínculo conjugal ou do falecimento de uma das partes não há direito à meação.

Por essa razão, esse é o único regime de bens que é dispensada a outorga conjugal para alienar ou gravar de ônus reais os bens imóveis, assim como prestar fiança ou aval.

É importante destacar que é possível que os cônjuges escolham ter bens comuns mesmo casados sob o regime da separação absoluta, com base no princípio da autonomia privada.

Nesse caso eles irão adquirir o bem em conjunto e estabelecerão um condomínio voluntário. Destaca-se ainda que diante do falecimento de uma das partes, o cônjuge sobrevivente será herdeiro desse bem.

E – PARTICIPAÇÃO FINAL NOS AQUESTOS

A participação final nos aquestos é um regime interessante, já que reúne características do regime da separação convencional e da comunhão universal de bens. Contudo, esse regime é pouco conhecido e possui baixa adesão da população.

O regime prevê que durante a união cada um possui o próprio patrimônio e poderá administrá-lo livremente, porém no caso de divórcio os bens adquiridos na constância do matrimônio serão partilhados metade para cada parte.

Serão excluídos da apuração dos aquestos os bens que cada um já possuía antes do casamento, bem como os sub-rogados, aqueles recebidos por sucessão ou doação e as dívidas decorrentes desses bens.

Vale mencionar as lições do professor Conrado Paulino ao esclarecer que a separação final dos aquestos no falecimento de um dos cônjuges admite tanto o direito à meação, em relação aos bens comuns, quanto o direito à herança, no que tange aos bens particulares.

Nesse caso, há também uma importante aplicação do pacto antenupcial, no qual os cônjuges podem pactuar a livre disposição dos bens durante a união, inclusive os imóveis. Para tanto, a convenção possuirá uma cláusula que dispensa a outorga conjugal para alienar ou gravar de ônus reais os bens imóveis.

III – O REGIME MISTO

A formalização de um acordo pré-nupcial permite ainda que os noivos criem um regime de bens atípico, também chamado de regime misto. Nessa hipótese, a convenção deverá constar nos autos do processo de habilitação matrimonial.

O regime misto não é um novo regime de bens, mas na verdade é a combinação de outros regimes existentes. É o caso dos cônjuges que optam por manter o regime da comunhão parcial de bens, mas desejam excluir determinado bem da comunicação, ainda que adquirido na constância do casamento.

Assim, o bem excluído da comunhão permanecerá como um bem particular daquele cônjuge, contrariando a regra da comunicabilidade.

Se ocorrer discussões no âmbito sucessório, será considerado o regime que prevaleceu no pacto antenupcial. No exemplo acima em que apenas alguns bens seriam excluídos da comunhão, o regime que prevalece é o da comunhão parcial de bens e deverá ser aplicado no caso de falecimento de um dos cônjuges.

IV – O PLANEJAMENTO PATRIMONIAL COMO PROTEÇÃO DO OUTRO

Contrariando o imaginário popular que enxerga o planejamento patrimonial como já casar pensando no divórcio ou sinônimo de desconfiança entre as partes, a convenção acerca dos regimes de bens pode funcionar como um verdadeiro instrumento de proteção ao outro cônjuge.
A separação dos bens é comumente escolhida pelos casais em que uma das partes pratica atividade empresarial ou exerce alguma profissão de risco sob o ponto de vista patrimonial.
Isso ocorre porque nos regimes de bens não há apenas a comunicação dos bens propriamente ditos, mas também das dívidas. Assim, aqueles que se envolvem em negócios de alto risco podem optar por proteger o patrimônio do outro cônjuge.
Se um dos cônjuges for prejudicado em razão das dívidas eventualmente contraídas pela outra parte, deverá utilizar o instrumento processual dos embargos de terceiro para resguardar o patrimônio particular da penhora sofrida.

V – COMO É FEITO O PACTO ANTENUPCIAL?

Por fim, é preciso esclarecer que o pacto antenupcial deverá ser feito por meio de escritura pública no Tabelionato de Notas. Após firmada a convenção, o casal deverá levar a escritura pública a registro perante o Registro Civil das Pessoas Naturais, que é o cartório competente para a celebração do casamento.

A convenção antenupcial somente possuirá efeitos perante terceiros, se o pacto for registrado em livro especial no Registro de Imóveis do domicílio dos cônjuges, ainda que não possuam bens imóveis.

O registro também deverá ser realizado no Registro de Imóveis do local que o casal possuir bens imóveis, assim como nos lugares que forem sendo adquiridos bens no decorrer da união.

VI – REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

ROSA, Conrado Paulino da. Direito de Família Contemporâneo. São Paulo: Juspodivm, 2022.

PLANEJAMENTO Matrimonial – Live com Dr. Luciano Figueiredo. [S. l.: s. n.], 2021. Disponível em: https://www.youtube.com/watch?v=iMNWSq6OGI4&t=1851s. Acesso em: 22 fev. 2023.

BLASIUS, Adriana. Advogada explica como funciona o pacto antenupcial. IBDFAM – Instituto Brasileiro de Direito de Família, [s. l.], 12 jun. 2018. Disponível em: https://ibdfam.org.br/noticias/na-midia/16650/Advogada+explica+como+funciona+o+pacto+antenupcial. Acesso em: 16 fev. 2023.

*conteúdo jurídico independente